terça-feira, 31 de agosto de 2010

O ESTILO E A POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS


AUGUSTO DOS ANJOS


Contrastes

A antítese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!

 
O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!

 
Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
junta-se um hemisfério a outro hemisfério,

 
Às alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!...



Não é preciso respaldo crítico e antenas históricas para aproveitar a poesia de Augusto dos Anjos; basta entregar-se ao encantamento da sua exótica sonoridade (experimente ler em voz alta qualquer dos seus poemas) e à sua estranha sensibilidade para temas como a energia das coisas, o grotesco da vida e o mistério da morte.


Mas também não faz mal conhecer alguma coisa sobre as condições históricas em que surge e se desenvolve o poeta e as influências filosóficas sobre sua obra. Por exemplo: por que tantos poemas de Augusto dos Anjos abusam de termos científicos (como nomes de espécies e de elementos químicos) e filosóficos (inclusive com citação direta de nomes de cientistas e pensadores da época)?


A formação intelectual de Augusto dos Anjos ocorre em um momento (virada do século XIX para o XX) em que boa parte das mais atuantes e influentes cabeças do Brasil pensa o mundo a partir da influência do cientificismo positivista, tão na moda no século XIX. Ou seja, vê-se na ciência uma forma superior de compreender o ser humano e a realidade, mais poderosa do que a religião ou a metafísica, por exemplo, pois só a ciência apresenta resultados e benefícios práticos, a partir de um rigor intelectual (o método científico) que não deixa dúvidas quanto a sua “verdade”.


Dentre as várias correntes cientificistas, a que mais se destaca é a do Evolucionismo, mais conhecida pela teoria da “Origem e Evolução das Espécies” de Charles Darwin (1809-1882); mas há várias outras correntes evolucionistas, que, a partir de Darwin ou mesmo em paralelo a ele, propuseram uma compreensão filosófica do ser humano e das sociedades. No caso da poesia de Augusto dos Anjos, é notável a influência das doutrinas evolucionistas de Herbert Spencer (1820-1903). Spencer considerava que tudo o que é real se desenvolve em direção a estados mais aperfeiçoados de existência; daí um fluxo de transformações incessante que ocorre no mundo natural, biológico, social e até espiritual ao longo do tempo. A evolução estaria presente em todos os níveis do universo: das estrelas do cosmos até a matéria inorgânica; da matéria ao espírito; do individual ao social.




Spencer, por exemplo, tinha uma visão orgânica da evolução das sociedades (em muitos pontos influenciado de maneira equivocada por sua leitura de Darwin), isto é, via a sociedade como um organismo em evolução, em que os mais fortes prevalecem sobre os mais fracos para garantir uma “seleção natural” dos mais adaptados. Ou seja, estamos “naturalmente” em marcha para uma sociedade em que os mais aptos viverão de maneira cada vez melhor.


Para este filósofo evolucionista, a obrigação da ciência e da filosofia é compreender os fenômenos que constituem a realidade e as leis da sua evolução. Mas ele mesmo afirma que a “lei absoluta da Evolução” é uma Força, algo Incognoscível (impossível de compreender totalmente). Ciência, filosofia e religião tornam-se, portanto, praticamente uma só coisa: ambas procuram encontrar este Absoluto, esta regra e sentido supremo da “Evolução” que está em todas as coisas.


Uma concepção semelhante do universo – envolvendo filosofia, mística e ciência – é formulada por Ernst Haeckel (1834-1919), outro evolucionista freqüentemente citado por Augusto dos Anjos. Haeckel associa o Evolucionismo darwiniano ao Monismo, escola filosófica de origem antiga, que defende a idéia de que a realidade é constituída por um princípio único, um fundamento elementar, a partir do qual tudo e todos evoluímos e ao qual tudo pode se reduzir; ou seja, a base de todos os seres e coisas seria uma única espécie de substância, e estaríamos todos sujeitos a uma mesma “unidade espiritual”. Ou seja, os monistas acreditam em um princípio fundamental que tudo explica na vida e no universo.


Ora, uma das marcas da poesia de Augusto dos Anjos é justamente a sensibilidade sempre em busca de uma energia potencial oculta em qualquer forma de matéria, uma tentativa de encontrar uma explicação totalizadora para o ser humano e a vida, como você pode ver neste poema a seguir:


O lamento das coisas

Triste, a escutar, pancada por pancada,

A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!


É a dor da Força desaproveitada
— O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!


É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que se não realiza...

Da luz que não chegou a ser lampejo...]



E é em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!
"A postura existencial do poeta, apela ao universo do distanciamento científico: uma angústia esmagadora cresce e se avoluma diante da fatalidade que conduz os homens à senda inevitável da putrefação. Toda carne infalivelmente irá se decompor um dia. Interpretação poética do cosmos e desespero particular descambam num lamento das coisas, sentimento doloroso, a raiz de todas as dores está na vontade de viver."

Ou nesta primeira parte do poema “Os doentes”, em que Spencer e Haeckel são nominalmente citados:



Como uma cascavel que se enroscava
A cidade dos lázaros dormia...
Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!


Mordia-me a obsessão má de que havia,
Sob os meus pés, na terra onde eu pisava,
Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!


Tentava compreender com as conceptivas
Funções do encéfalo as substâncias vivas
Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam. . .


E via em mim, coberto de desgraças,
O resultado de biliões de raças
Que há muitos anos desapareceram!


(Veja o restante do poema em: http://www.secrel.com.br/jpoesia/augusto11.html#doentes)


Começa aqui o “problema Augusto dos Anjos”... Que o nosso poeta seja intelectualmente um entusiasmado seguidor dos ideais filosófico-científicos que sumariamente apresentamos até aqui, não resta dúvida em sua poesia. Mas há algo mais: há uma insatisfação com tais teorias que respondem, mas não esclarecem. Há uma posição dualista na personalidade do poeta, que foge ao “monismo evolucionista” ao qual aderiu e contrapõe, ao poder explicativo das ciências, uma descrença íntima em sua eficiência, uma inquietude com os mistérios do universo que ele não se cansa de vasculhar, uma obsessão pela idéia da MORTE, esta fatalidade destruidora dos sonhos, das vontades, das forças do ser humano.


Augusto dos Anjos é, enfim, um poeta que expressa um pessimismo atroz porque se sente um fracassado ao tentar entender os mistérios da vida; um impotente perante aquilo que é impossível conhecer: o sentido do sofrimento de cada homem e de toda a espécie, a morte e a destruição da matéria. Sente-se um irmão das coisas vivas que morrem, das coisas inanimadas que se esboroam, um “Ser que adormeceu em caminho do Ser...”, um pouco de matéria que não passa de um acidente efêmero na cadeia da evolução.


Alucinação à beira-marUm medo de morrer meus pés esfriava.
Noite alta. Ante o telúrico recorte,
Na diuturna discórdia, a equórea coorte
Atordoadoramente ribombava!


Eu, ególatra céptico, cismava
Em meu destino!... O vento estava forte
E aquela matemática da Morte
Com os seus números negros me assombrava!


Mas a alga usufructuária dos oceanos
E os malacopterígios subraquianos
Que um castigo de espécie emudeceu,


No eterno horror das convulsões marítimas
Pareciam também corpos de vítimas
Condenadas à Morte, assim como eu!


É essa “consciência pessimista do fracasso” que faz de Augusto dos Anjos, ao mesmo tempo, um poeta da matéria podre e decadente das formas orgânicas e um porta-voz dos miseráveis que vagam pelas noites e pela vida, os bêbados, dementes, tuberculosos, leprosos, furunculosos, estropiados, as prostitutas, enfim, os rejeitados, incompreendidos e fracassados do mundo.


Eterna mágoaO homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!


Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.


Sabe que sofre, mas o que não sabe
E que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;


E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!


O que lhe resta, então? Resta uma corda de misticismo à qual se agarrar, a mesma corda à qual se penduraram os poetas simbolistas, com quem ele compartilhava o gosto por uma sonoridade exótica. O simbolismo de Augusto dos Anjos transparece na sua busca incessante do “mistério”, na sua crença em uma imortalidade espiritual, no êxtase do absoluto:

Solilóquio de um visionário
Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!


A digestão desse manjar funéreoTornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressões visuais que eu sinto,Nas divinas visões do íncola etéreo!

Vestido de hidrogênio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente, Pelas monotonias siderais...

Subi talvez às máximas alturas,Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,É necessário que inda eu suba mais!http://www.integral.br/zoom/materia.asp?materia=228&pagina=2

3 comentários:

Natalia Capi disse...

Ah! Augusto dos Anjos!!!!*_*
Obscuro,inquietante,o horror em tintas e folhas,o estranho,o mundo sem cores!
Ah!!!como amo!

Natalia Capi 3°EMB

danilo 3EMC disse...

Augusto dos Anjos com tremor na voz comove todos com um olhar cientifico

Two Worlds disse...

Aprofundar mais as obras de Augusto dos Anjos foi muito bom, aprendi a analisar o quanto ele tem o olhar científico para com suas obras.
Raissa Gonçalves 3°EMB